Cláudio Serricchio - 28/09/2009
Famosa
pelos
seus encantos naturais, a região de Visconde de Mauá, tem atrativos
notáveis, sendo os mais conhecidos as suas montanhas rendadas pelas copas
das araucárias, regadas por incontáveis nascentes e córregos
encachoeirados. Como ocorre a todas as coisas belas, objeto de
contemplação e desejo, nem sempre os atributos mais óbvios são os mais
encantadores. Alguns destes atrativos, de percepção imediata, dispensam
qualquer envolvimento e convivência, outros, menos evidentes, exigem um
maior interesse e atenção. Neste sentido, entre as suas mais destacadas
belezas, eu não hesitaria em incluir também as estrelas e os
vagalumes. O turismo em nossa região,
desde o seu início, ainda na década de trinta, se desenvolveu baseado na
necessidade que grande parte das pessoas tem de um contato mais direto com
a natureza, especialmente na suas formas mais preservadas e exuberantes. A
esse respeito, a criação do Parque Nacional do Itatiaia, em 1937, em torno
das Agulhas Negras, um dos pontos culminantes da Mantiqueira, tanto em
altitude como em relevância ecológica, é uma referência inquestionável.
Por outro lado, nas últimas décadas, metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, entre outras, com seu crescimento descontrolado e modo de vida cada vez mais estressante, massificado e violento, vêm produzindo uma insatisfação crescente. Diante do comportamento humano cada vez mais ávido pelo consumo, imediato, supérfluo e descartável, pagamos um custo elevado. O individualismo sem limites e os conflitos exacerbados, são manifestações negativas e porque não dizer, doenças, que podemos associar a este comportamento. Isso sem falar na destruição ambiental sem precedentes, fruto deste consumir compulsivo e desenfreado.
Isso tudo tem levado muitas
pessoas a buscar alternativas de vida mais amistosas, cooperativas e
saudáveis, mesmo que ao custo de abrir mão de certas facilidades e
confortos e de um padrão material mais modesto. Por sua localização e
qualidades, entre elas o sossego, Visconde de Mauá se transformou numa
espécie de refúgio e remédio, contra exatamente estes males, atraindo,
desde a década de setenta, pessoas com uma preocupação existencial e
ambiental diferenciada e crítica com relação aos rumos que a vida nas
grandes cidades brasileiras tomava.
Diante dos impactos da
expansão urbana descontrolada, nenhuma pessoa com o mínimo de informação e
honestidade, pode negar que as áreas naturais que têm se mantido mais
preservadas, são aquelas de mais difícil acesso. Sem dúvida, os obstáculos
físicos e as restrições legais, como as existentes, por exemplo, nas
unidades de conservação e em terras indígenas, reduzem estes impactos,
como ocorre com a região de Visconde de Mauá, devido às suas estradas de
terra, que tornam a viagem mais longa e menos
confortável.
Difícil também é negar a
necessidade vital que o ser humano e as suas sociedades têm, cada vez
mais, de manter áreas preservadas. Seja como áreas indispensáveis ao
equilíbrio dos ciclos naturais, fornecedoras dos chamados serviços
ambientais (água e ar limpos, regulação do clima, etc.), como santuário da
vida silvestre ou como refúgio humano ao estresse insuportável da vida
“moderna”. O próprio modelo de desenvolvimento predatório, ditado pela
globalização econômica baseada na propaganda avassaladora e nos estímulos
ao consumo sem limites e, portanto, irresponsável, só torna maior e mais
urgente o desafio de estabelecermos limites à expansão dos impactos
sócio-econômicos na natureza.
Em nossa região, alguns destes
limites já estão consagrados em lei, com a criação do Parque Nacional do
Itatiaia, da Área de Proteção Ambiental – APA da Mantiqueira e a aprovação
dos Planos Diretores dos Municípios de Resende e de Itatiaia, o que ainda
não foi feito no município de Bocaina de Minas. O desafio então é fazê-los
vigorar na sua plenitude, não apenas com a indispensável fiscalização,
mas, sobretudo, buscando-se a adesão, apoio e participação da população
local.
É nesse contexto que se insere
a polêmica, já de algumas décadas, sobre a conveniência ou não de se
asfaltar as estradas de acesso à região de Visconde de Mauá. Se por um
lado a divergência de pontos de vista e de opinião é compreensível, o
triste é se constatar que esta discussão, necessária e potencialmente
construtiva, se radicaliza e bloqueia a reflexão mais cuidadosa das
múltiplas questões que estão colocadas. Sobretudo quando a tolerância e a
racionalidade desaparecem e as divergências de opinião se transformam em
animosidades e trocas de acusações, que tornam ainda mais difíceis as
soluções adequadas, que exigiriam algum grau de maturidade e consenso
sobre questões de interesse comum.
Um episódio que ilustra com
muita graça esta questão, ocorreu no final da década de 80, numa das
muitas reuniões que se fazia para discutir o desenvolvimento local.
Estávamos no Galpão Maringá, lotado, quando num determinado momento o
Juca, filho da Tia Sofia, moradores dos mais antigos e queridos, já
falecidos, levantou a mão pedindo para falar. Motorista de caminhão,
pessoa simples, sempre presente nestas atividades, porém de pouca fala,
causou surpresa e despertou a atenção de todos. “Eu tenho uma sugestão”
disse ele, “a gente asfalta apenas meia pista, o pessoal que é a favor,
anda na parte asfaltada, quem é contra, anda na parte de terra”.
Desnecessário dizer que, após as gargalhadas gerais, o assunto ficou sem
solução, como permanece até hoje, sem consenso a respeito.
Quando observamos os problemas
e a falta de entendimento entre as pessoas que ocorre em Visconde de Mauá,
podemos estabelecer uma correlação com os grandes desafios que estão
colocados para as sociedades humanas, tanto de abrangência local, como
regional, nacional e mesmo global, ficando claras as dificuldades que
teremos para avançar na direção daquilo que chamamos genericamente de
desenvolvimento sustentável. De qualquer modo, na impossibilidade de
alcançarmos algum consenso em torno do modelo de desenvolvimento e da
forma de atendimento das necessidades e aspirações comuns, respeitando-se
a legislação ambiental, só nos resta como alternativa
resistir.
Resistir à intolerância e ao
preconceito, os dos outros e aquele que trazemos em nossas atitudes.
Resistir às diversas formas de censura, como ocorreu entre nós com o
agressivo uso de apitos para abafar as perguntas na Audiência Pública de
licenciamento ambiental das obras da estrada, cuja razão de ser seria
exatamente esclarecer dúvidas e discutir as soluções de menor impacto.
Resistir às pressões descabidas e inaceitáveis dirigidas contra
professores da escola, ao questionarem o projeto, cumprindo o seu papel
social de reflexão sobre a realidade em que vivemos. Resistir ao
pensamento autoritário, às imposições e às ameaças de pretensas maiorias,
que a pretexto de um desenvolvimento econômico, duvidoso, só fazem
justificar e promover a destruição continuada das bases naturais
indispensáveis à vida. Resistir ao discurso enganador de políticos em
busca de voto$$$, intere$$ados em fazer obra$$$ a qualquer custo, sempre
em nome do “povo”.
Mas afinal, qual é o tipo de
desenvolvimento que queremos? Queremos preservar a paisagem rural que nos
resta, engolida, pouco a pouco, pelas manchas urbanas crescentes? Queremos
manter o modo de vida simples das pessoas da terra? Queremos conservar o
que resta da vida silvestre e das águas ainda relativamente limpas dos
nossos rios? Queremos proteger os remanescentes florestais da serra da
Mantiqueira e do Parque Nacional do Itatiaia, com a sua biodiversidade
única? Queremos proteger os atributos naturais e os atrativos que
possibilitaram o desenvolvimento do turismo artesanal que tem sido o
ganha-pão da população local? Queremos manter a qualidade de vida que
muitos vêm buscar aqui? Ou vamos trocar isso tudo pela miragem de ganhos
econômicos que nunca virão?
Sobre as estrelas e os
vagalumes que me referi no início deste texto, cabem esclarecimentos. Quem
conhece Visconde de Mauá, sabe que nas noites sem nuvens, em locais pouco
iluminados, devido à altitude e à limpidez do ar das montanhas, o céu
estrelado que nos envolve é algo indescritível de tão belo. Embora com o
gradual aumento das luzes urbanas e da poluição do ar que avança pelo
industrializado Vale do Paraíba, a tendência seja reduzir o brilho deste
cenário grandioso, é preciso minimizar estes impactos e conservá-lo para
nosso deleite e contato com o Universo.
Já os pirilampos, em certas épocas do ano, destacam-se na noite, nos campos e baixadas, formando um chão de estrelas que maravilha o observador, com o seu balé de luzinhas piscando na escuridão. Estes espetáculos da natureza não tem preço, como bem sabe a dona Helena Bühler, matriarca da família proprietária de um tradicional hotel da região, onde já há alguns anos se desenvolve um trabalho exemplar de redução e reciclagem de lixo, que se destaca como um dos mais bem sucedidos em hotelaria no Brasil.
Perguntada certa noite por
um turista que buscava hospedagem sobre quantas estrelas tinha o hotel,
respondeu com sabedoria – Quantas você puder contar, é só olhar para o céu
...
Eu não tive a oportunidade de
ler o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) elaborado para viabilizar as obras
de pavimentação das estradas de acesso a Visconde de Mauá, mas, as
críticas que estão sendo feitas afirmam que não foram considerados os
impactos sócio-ambientais que serão provocados pelo aumento do fluxo de
veículos e visitantes na região, com a aceleração da ocupação urbana
desordenada. Eu vou mais longe, se o EIA não avaliou os impactos sobre as
estrelas e os vagalumes, ele será de pouca serventia, pois foi a partir de
atrativos desta natureza, impossíveis de se encontrar nas cidades, que a
região de Visconde de Mauá se notabilizou.
Os problemas que já temos na
região, afligindo os moradores e prejudicando o turismo não são poucos. Se
os governos aplicassem apenas uma fração do valor de 60 milhões de reais,
que está previsto para o asfaltamento das estradas, muitos destes
problemas seriam resolvidos, com maior benefício para todos. Melhorias no
atendimento à saúde, instalações para o desenvolvimento de atividades
esportivas e culturais, carência imensa que deixa a juventude local sem
alternativas, tratar o lixo e os esgotos e melhorar a infra-estrutura
viária interna, para solucionar os engarrafamentos de trânsito, que já são
uma constante nos fins de semana e feriados com maior presença de
turistas, são algumas das prioridades mais
evidentes.
O desenvolvimento sustentável
de Visconde de Mauá deve levar em conta a sua capacidade de suportar um
aumento no fluxo de visitantes, turistas e novos moradores, respeitando
sua condição de Área de Proteção Ambiental, necessária para a preservação
do Parque Nacional do Itatiaia, das florestas, das águas e da paisagem. Os
investimentos públicos e privados devem ser feitos respeitando estas
características e limites, buscando melhorias de qualidade e não de
quantidade, visando atender bem e cativar as pessoas que apreciam este
tipo de lugar.
Com relação a nós, moradores e
freqüentadores, ao invés de nos conflitarmos em torno das nossas
divergências, melhor seria se buscássemos o entendimento em torno dos
pontos que temos em comum e lutássemos para que o poder público cumpra
melhor as suas responsabilidades, considerando acima de tudo a necessidade
de cuidarmos deste lugar privilegiado, que tanto nos tem proporcionado em
troca de tão pouco.
Visconde de Mauá, início da
primavera de 2009. Claudio
Serricchio Engenheiro de Meio Ambiente da
Petrobras Secretário de Meio Ambiente de Resende
de Presidente da Associação de
Moradores e Amigos de Visconde de Mauá de Eleitor em Visconde de Mauá
desde 1988 |
Quer comentar essa informação? Envie seu comentário para contato@amigosdemaua.net e ele logo estará disponível para leitura aqui mesmo, e ser por sua vez comentado também. |